A Cidade Mãe
e a sua Província
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Fui um dia destes surpreendida por um contemporâneo das vivências do Lobito que, depois de me entrar
por esta janela escancarada ao mundo, me fez um inesperado convite. Inesperado e surpreendente.
Surpreendente e louco. Louco e impossível! Isso pensei eu quando me convidou para o acompanhar num
voo sobre o nosso muito amado Lobito. Surpreendente e louco porque estamos a milhares de quilómetros
das nossas terras, porque se nega a lá voltar e porque piloto já não é. Mas, como o amor é imenso e a
curiosidade sufoca, não resisti e sorrindo disse-lhe… sim! Estávamos ligados pela “nete”.
Perguntou-me então se eu tinha o “Google Earth”. “Não”, respondi em papel virtual. “Então instale já.”,
disse-me em tom de quem está habituado a comandar. Feitos os procedimentos necessários, informei-o que
estava já instalado e pronto. Deu-me as instruções e, num repente, dei por mim percorrendo o globo
terrestre a uma velocidade vertiginosa para a terra onde nascemos e, ouvindo-lhe as instruções, coloquei
esta aeronave a voar sobre o Lobito a uma espantosa altura de 1500 pés - recomendou o meu piloto.
Fez-me rasar a pista do velhinho aeroporto do Lobito na direcção do mar, como se dali tivéssemos
descolado e fizemos uma suave volta pela direita para um voo sobre a Restinga. Percorremos a praia até
ao farol como sempre fez, dizia. Eu estava inebriada! “Esse é o meu chão! Esse é o meu ar, o meu mar!!!”
Voltámos de novo pela direita sobrevoando a baía direitos agora ao seu Cassequel.
Deixei-me conduzir pelas suas mãos para o voo mais apetecido da minha vida… Não tinha palavras… Voávamos
sobre as plantações de cana - … e esta, toda embandeirada, balançou-se ao vento, como que nos dizendo
“olá!, que bom ver-vos de novo!” - com os lindíssimos talhões bordejados de palmeiras. Ele
foi-me contando o que foram os seus anos loucos de Lobito… Avistámos a Catumbela e sobre ela muitas
voltas fizemos para saborear cada canto, cada casa, cada metro de rio. Lá estavam as pontes e bem ao
lado e em cima do morro o velhinho Reduto de S. Pedro, o forte das minhas recordações. O motor
extraordinário que é o nosso cérebro activou de imediato as gavetas da memória…
E sobre o ele falámos e sobre ele fizemos juras de trazer para aqui como foi e o que foi para as gentes da
Catumbela.
Continuamos o nosso voo idílico numa confortável altitude para nada perder. Eu estava a ser levada por
quem tantas vezes, aqui nesta terra de sonho, saboreou os ares, o mar com as intermináveis praias, os
morros, caminhos e descaminhos. Senti-me deitar a cabeça sobre no seu ombro e vi Benguela em frente. O
meu berço ali estava debaixo do meu espanto. Praia Morena, Nossa Senhora do Pópulo, o Cavaco… meu Deus!,
a casa onde nasci!!! Voámos para a Rua 11 à procura de um amor que o Aires de Almeida Santos fez viver
em todos nós. Belisco-me… não é sonho, não! E pedi-lhe “Podemos ir a Mossâmedes?”, ao que de pronto me
respondeu “Não se pode voar depois do pôr-do-sol e por isso temos de aterrar.”
Não resisti e dei-lhe um beijo!!!
É bem verdade que voar é coisa de momento, mas ser-se conduzida por quem sabe levar-nos aos lugares
amados é como cuidar de plantas e as plantas têm raízes e as que visitámos não se arrancam de modo
algum! Por muito afastados na distância que nos encontremos.
Plantar prolonga a vida!
O som estridente da campainha da escola próxima do local da minha residência despertou-me. Ainda estremunhada
olhei à volta… Afinal foi um sonho!... Parecia tão real…
Vieram-me à mente as inúmeras vezes em que sobrevoo a minha Terra Natal num voo de matar a saudade…
Há bem mais de um ano que comecei um texto no qual a percorro de lés a lés – um dia há-de ficar pronto!
Penso novamente no sonho e decido que este texto permanecerá aqui porque nos leva a lugares ricos de
História, que tantas vezes tive o privilégio de percorrer e apreciar. Fará, e muito bem!, parte do trabalho
sobre a Catumbela e o seu reduto que está a ser desenvolvido e que tanto me entusiasma. Embora vá devagar,
há muito material… promessa de um trabalho acurado.
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