A Cidade Mãe
e a sua Província
Página 23 de 28
Em adulta, na Província de Benguela, era um dos locais que procurava para me encontrar com a
Mãe Natureza e comungar da paz que ali há.
Recordo-me, porém, que, desde criança, sempre que lá passava nas idas e vindas entre Benguela e o
Lobito, olhava para o local com curioso interesse.
Quando me tornei independente em termos de transporte, aproveitei a primeira oportunidade para,
logo a seguir à ponte de ferro que atravessa o Rio Catumbela, no sentido Lobito – Benguela, virar
à esquerda e, entre vegetação, em estrada de terra batida, contornar o morro, numa subida pouco
íngreme, que todavia exige atenção, pela sua estreiteza e falta de visão do que nos aguarda
adiante...
Chegados ao topo, curvando à esquerda, chegamos a um largo. Encontramo-nos, então, diante do
Reduto de São Pedro ou Forte de Catumbela.
O tipo de construção, rodeada por um muro alto e largo, dá-nos a imediata noção de que se trata
de um edifício antigo. A sua posição, num ponto elevado, permite-nos, também, concluir que
serviu de ponto de observação e, consequentemente, de defesa. Foi construído pelos portugueses
em 1846.
Na altura em que comecei a visitá-lo, já tinha sido transformado em museu, diga-se, de muito
fraca qualidade...
Desde logo me ressenti do facto de, num lugar tão cheio de História, não tivessem tido o cuidado
de proporcionar ao visitante mais informações. Para mim, no entanto, estar ali, por si só, já
bastava...
Nas primeiras visitas, não houve recanto que não vasculhasse, procurando nas paredes e nos poucos
móveis os indícios que me levassem a aprender mais sobre o lugar.
Li com curiosidade o registo gravado na porta principal do Forte e registei-o em fotografia.
(v. www.angola-saiago.net/cidmae5.html - “O Meu Testemunho”).
É a História gravada na pedra...
O Forte encontra-se no topo de um dos morros que abundam por ali... Naquele local, o Rio
Catumbela corre baixo... lento... dando, até, a impressão que as suas águas estão paradas... Na
sua margem direita, a vila que lhe tomou o nome espalha-se por eles acima, a Igreja Matriz
sobressaindo na paisagem...
Próximo do Forte, no morro seguinte, a montante, avista-se um casarão abandonado. Indagava-me:
“Quem terá vivido lá? Porque razão deixaram de habitar um local com vista tão privilegiada
sobre o rio e toda a região circundante?”... “Será que pertenceu aos governantes da época e,
uma vez que o motivo de ali permanecer deixou de existir, deixaram-no, votando-o ao abandono???
Será que foi um entreposto para o tráfico de escravos, das caravanas que de Benguela partiam rumo
ao interior profundo de Angola???” “Por outro lado, a Vila da Catumbela chegou a ser um dos
mais importantes postos comerciais de Angola...”
No meu texto “As Latadas”, refiro em www.angola-saiago.net/latadas3.html que o que aprendíamos
sobre a História de Angola era ínfimo comparativamente ao que éramos obrigados a aprender - sob o
poder colonizador – acerca do país Portugal. Só muito anos após a saída de Angola comecei a ter
acesso a melhor informação, já que a possuíamos se perdera.
Daí as minhas indagações... das quais não me envergonho: acima de tudo está o meu amor por
Angola, com muito ou pouco conhecimento... a minha enorme saudade...
Aquele local foi, enquanto vivi no Lobito, o meu refúgio, o lugar que procurava para encontrar
paz, para aquietar o meu espírito. Ali, eu era parte integrante da Terra Angola.
A Mãe Lola foi, quase sempre, a minha companheira das visitas ao Forte. Tal como eu, ela
amava o lugar.
Não havia necessidade de nos comunicarmos... bastava-nos estar ali... por uma hora ou mais...
esmiuçando com o nosso olhar todos os recantos que nos eram permitidos visualizar... escutando os
ruídos tão característicos: o rio, correndo preguiçoso... as suas águas barrentas pareciam
espessas... após a ponte, a jusante, o seu delta cortando caminho através das palmeiras... o
sino da Igreja, lá ao longe... o comboio apitando, atravessando a ponte de ferro... o ruídos do
“Cassequel”, a fábrica de açúcar... e, ahhh!, o cheiro gostoso do melaço de cana que pairava no
ar!... as vozes longínquas das lavadeiras à beira-rio, e também de crianças que ali se banhavam...
Imagens comuns a outros tantos lugares, mas para nós tão especiais, como espectadoras que éramos,
lá de cima, junto ao Forte...
Em 2004, o meu amigo Dadica Pompeu, residente em Luanda, enviou a alguns benguelenses, seus
amigos, fotos que fizeram parte de uma reportagem acerca da Vila da Catumbela, inserida na
revista de bordo da TAAG, “Austral”, no ano de 2000. Constatei que o Forte continua a não se
encontrar em boas condições de conservação. Tenho, todavia, conhecimento que, agora que Angola
está em paz, existe a vontade e faz-se um esforço no sentido de se proceder ao restauro de locais
que têm significado histórico para o país.
O Forte da Catumbela é com certeza um deles. Um dia, vê-lo-emos restaurado, a sua memória
preservada!
[ Página Principal ] [ Menu “Benguela, Cidade Mãe” ] |