A Cidade Mãe
e a sua Província
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Estávamos no início do século XX e as riquezas mineiras de Katanga tinham acabado de ser
descobertas... Juntamente com a Zâmbia (então Rodésia do Norte) formavam o denominado
“Copperbelt” – a cintura de cobre. Havia que encontrar-se uma saída para o mar.
Sir Robert Williams, um escocês, companheiro de Cecil Rhodes, volveu os olhos para a costa
atlântica, “near the old Portuguese town of Benguela”... próximo da velha cidade portuguesa de
Benguela... ali iria nascer um dos grandes eixos de circulação de toda a África Austral.
A Norte de Benguela, estendia-se o “deserto do litoral”, cortado pelo Rio Catumbela e pela
fortaleza que dominava o seu vale. Foi sobre esse “deserto” e sobre uma escaldante língua de
areia que o CFB assentou os primeiros trinta e cinco quilómetros de via. Via de 1,067 m de
bitola, destinada a ligar-se, mais tarde, com o sonhado caminho de ferro da Cidade do Cabo ao
Cairo.
Já nesse tempo Benguela era três vezes centenária e famosa. Famosa pelo seu passado, pela
posição-chave que detinha no comércio com o interior, a Sul do Cuanza. A linha férrea iria
dar-lhe novo impulso, estendendo o seu comércio e a sua influência; rasgando com sulco de aço
um mundo, que se estendia para as terras de Caconda e além. Até aos confins do quase lendário
Reino de Benguela.
Quando se olha para o passado, mede-se a envergadura do projecto e as dificuldades que foi
preciso vencer para levar o caminho de ferro do litoral até à fronteira. O trabalho de
engenharia, só por si, foi admirável, se se tiver em conta a falta de mão-de-obra na época e as
características inclementes do terreno – seco e rochoso – onde os homens tiveram de viver meses
sem fim a caminho do planalto, a um ritmo extenuante “para salvar a concessão”.
Foram importados camelos para transportar água – e os camelos morreram quase todos. Vieram
senegaleses e trabalhadores dos territórios britânicos da África Ocidental. Vieram dois mil
indianos e respectivas famílias da Província do Natal, África do Sul, para assentar a linha.
Poucos foram os que se adaptaram às duras condições do clima.
Não foi de estranhar, portanto, que os círculos financeiros, sempre cautelosos, olhassem a ideia
do caminho de ferro com certo cepticismo. Mesmo quando a ideia estava prestes a tornar-se uma
realidade. Não fora a perseverança de Sir Robert Williams, nesses anos difíceis, dos primeiros
administradores portugueses do CFB, de um punhado de técnicos determinados, e tudo ter-se-ia
perdido - ou quase. Basta dizer que, por mais de uma vez, a linha não avançou por falta de
capital!
Finalmente, chegou-se à fronteira em 1928. Abriu-se, então, definitivamente, uma época que iria
transformar de maneira irreversível as condições de vida das populações servidas. (*)
O CFB transportou centenas de milhares de toneladas de minerais, madeira, gado e outras
mercadorias provenientes do interior do país, da Zâmbia e da República Democrática do Congo
(antigo Congo Belga ou Zaire) para os portos de Benguela e, principalmente, Lobito.
A guerra civil em que Angola mergulhou, logo após a sua independência, afectou a linha do
CFB, que foi destruída, do Atlântico até Luau, na fronteira: pontes e carris foram dinamitados,
estações bombardeadas e comboios descarrilados.
O Caminho de Ferro de Benguela paralisou!
Actualmente (estamos em 2004), há troços da linha recuperados. Sugere-se a consulta à página de
Carlos Pires - Pires - http://www.cpires.com/benguela.html -, que contém descrição actualizada
da situação em que se encontra a linha e o que já foi entretanto recuperado.
Segundo me foi dado saber, existem planos para a total recuperação da linha. Será um trabalho
imenso, na medida em que pode dizer-se que toda a sua extensão necessita ser reparada:
dormentes e carris substituídos, as estações e oficinas reconstruídas, o sistema de comunicações
restabelecido. Há, também, a perigosa tarefa da limpeza das minas colocadas por ambas as
facções em guerra.
A recuperação económica de Angola passa também por essa estrutura e, consequentemente, tem-se a
consciência da sua vital importância: este meio de transporte atravessa o país e liga-o ao
interior de África, regiões que dele se utilizam para escoamento das riquezas, das suas
mercadorias, como aconteceu no passado.
É, sem sombra de dúvida uma das principais chaves para a reconstrução da economia de Angola.
(*) Adaptado de "NOTÍCIA", Ano VIII, Nº 390, 27 de Maio de 1967 - Número de
recordação dedicado a Benguela - Contribuição de Júlio Centeno Largo.
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