A Cidade Mãe
e a sua Província
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Alda Lara nasceu em Benguela a 9 de Junho de 1930 e faleceu em Cambambe a 30 de Janeiro de 1962.
Licenciou-se em Medicina na Universidade de Coimbra. A sua tese de licenciatura, que versou
sobre Psiquiatria Infantil, chamou a atenção e valeu-lhe um convite para se especializar em Paris.
O seu amor por Angola levou-a a recusá-lo.
Declamadora de notáveis recursos, deu vários recitais de poesia em Lisboa e Coimbra, divulgando
a poesia dos poetas ditos “ultramarinos” e a poesia negra, que era praticamente desconhecida. A
par dessa actividade, realizou algumas conferências, uma das quais sobre problemas de
assistência médica missionária em África, que teve grande repercussão e se encontra publicada.
Extraído de “Poemas” – Obra Completa de Alda Lara - Ed. Imbondeiro - por Orlando de
Albuquerque.
Miserere Perdoai-me, Senhor! Perdoai-me, que eu não sabia... No meu palácio batido por todos os mares de coral, encastoada em espumas, e rendas, e ouropeis, coberta de cetins e de aneis no meu palácio de ilusão onde cantam sereias pela noite dentro, Senhor! eu não sabia nada... Foi preciso que o céu se cobrisse de núvens negras, e a tempestadade sacudisse a solidão dos meus salões, para que eu, transida de medo, descesse aos subterrâneos do meu palácio, em busca de protecção e calor... E nos substerrâneos... só encontrei dor maior que a minha... medo maior que o meu... e loucura, e suor, e fome, e ódio frio, e revolta surda, e o cheiro putrefacto dos corpos que trouxe a maresia... Ah! perdoai-me Senhor! Pedoai-me... que eu não sabia. 1949 - Março |
Rumo (ao J.B. Dias em 1949,à sua memória em 1951) É tempo companheiro! Caminhemos... Longe, a Terra chama por nós, e ninguém resiste à voz da Terra!... Nela, o mesmo sol ardente nos queimou a mesma lua triste nos acariciou, e se tu és negro, e eu sou branca, a mesma Terra nos gerou! Vamos companheiro! É tempo... Que o meu coração se abra à mágoa das tuas mágoas e em prazer dos teus prazeres irmão: que as minhas mãos brancas se estendam para estreitar com amor as tuas longas mãos negras... E o meu suor, quando rasgarmos os trilhos de um mundo melhor. Vamos! que outro aceno nos inflama... Ouves? É a Terra que nos chama... E é tempo companheiro! Caminhemos... |
Regresso (...) Sim! Eu hei-de voltar, tenho de voltar, não há nada que mo impeça. Com que prazer hei-de esquecer toda esta luta insana... que em frente está a terra angolana, a prometer o mundo a quem regressa... Ah! quando eu voltar... Hão-de as acácias rubras, a sangrar numa verbena sem fim, florir só para mim!... E o sol esplendoroso e quente, o sol ardente, há-de gritar na apoteose do poente, o meu prazer sem lei... A minha alegria enorme de poder enfim dizer: Voltei!... 1948 |
Barca da Cruz nasceu no Dombe Grande, em 20 de Dezembro de 1880. Licenciou-se em
Direito, em 1904, na Universidade de Coimbra. Faleceu em Benguela aos 77 anos de idade.
Nascido e criado no meio restrito em que se incentivou uma mocidade ávida de saber, pronta a
assimilar e dinamizar para produzir no campo dos valores do pensamento e da arte, Amílcar Barca
da Cruz emparceira com Pedro Machado, Assis Júnior, Castro Francina, Augusto Bastos e outros
tantos literatos de mérito na ficção e filologia, no teatro ou na linguística, que, não pelo
volume de suas produções senão pela intencionalidade da sua arte, constituíram o primeiro escol
intelectual dentre os filhos da terra angolana.
Pensador e artista, os que lhe conheceram o carácter de íntegro jurista e homem excelente, bem
repararam que, na sua profunda modéstia e material desprendimento, se explica o alheamento e o
silêncio a que votou a maioria dos seus trabalhos jurídicos e literários. Não é fácil, pois,
reconstituir sem lacunas o perfil exacto deste advogado-escritor.
Regressou a Angola em 1906 e estabeleceu-se em Luanda, onde cedo ganhou a popularidade e estima
da sociedade que servia. Iniciou uma vasta e espontânea colaboração nas colunas da imprensa
chamada “metropolitana”. Foi um dos primeiros colaboradores do jornal “O Angolense”, de Luanda,
onde publicou os seus primeiros ensaios de poesia, de educação e literatura.
Advogado consciencioso, defendeu os humildes quando os via alvo fácil das prepotências e das
injustiças dos grandes. Pobre de bens materiais, rico apenas dos valores que o tempo não
corrói, jamais se deixou conduzir pela venalidade do dinheiro. Foi solicitado para presidir a
clubes, colaborar no Rádio Clube com programas literários, incluir o seu artigo semanal no
“Jornal de Benguela”. A sua modéstia quase obsessiva impediu que desse publicidade os seus
trabalhos jurídicos, literários ou filológicos. Tinha profundo conhecimento dos idiomas de
Angola.
A sua vasta obra ficou dispersa, quase anónima, pela imprensa de Angola e de Portugal.
Escondia-se frequentemente sob o pseudónimo de Marcial Prazins.
in "O Espoliado" (AEANG), Junho 2003 - Nº 23.
No site da UEA – União dos Escritores Angolanos, em
http://www.uea-angola.org/bioquem.cfm?ID=86, podemos ler (texto adaptado):
«Ernesto Pires Barreto de Lara Filho (1932-1977), nasceu em Benguela e faleceu no Huambo,
vítima de um trágico acidente de automóvel. Fez os seus estudos primário e secundário
em Benguela e concluiu o curso de Regentes Agrícolas em 1952, em Coimbra, Portugal.
Andou pela Europa, viveu um tempo em Moçambique, regressou a Angola e fixou-se em Luanda,
onde exerceu várias profissões, entre elas a de jornalista. Foi locutor na Rádio Brazaville,
operário especializado de 1ª classe nos Serviços de Agricultura e Florestas de Angola.
“Escritor maldito”, mesmo na pós-independente sociedade do Huambo, pela sua postura boémia,
Ernesto Lara Filho nunca abandonou o espírito inconformista e libertário em relação a normas
e convenções – embora o tivesse tentado: esforçou-se por acabar o curso e até tirar um curso
superior, para satisfazer as expectativas da família, como sua irmã Alda Lara. Na poesia de
Lara Filho há o elogio da individualidade, a apologia humorística do inconformismo em relação
ao intelectualismo, a apologia da diferença e o elogio da marginalidade, o escárnio face ao
esgotamento de formas, ideias dominantes e normas sociais, a reacção contra o convencionalismo
estético – uma atitude que é reflexo do seu posicionamento perante a vida e o mundo.» in:
Inocência Mata. Literatura Angolana: “Silêncios a Falas de Uma Voz Inquieta”. Lisboa, Mar Além,
2001, p. 234.
Participou em diversas actividades literárias e culturais, dirigiu juntamente com Rebelo de
Andrade a “Colecção Bailundo”. Foi cronista do “Jornal de Angola”, de “Artes e Letras” da
“Província de Angola”, redactor do ABC. Colaborou em vários jornais e revistas, como “Mensagem”
(CEI), “Cultura” (II), “Diário de Luanda”, “O Comércio” e “Notícias”.
Figura em diversas antologias, nomeadamente, “«Antologia de Poesia Angolana” 1957), “Poetas
Angolanos” (1959), “Poetas Angolanos” (1962), “O Corpo da Pátria – Antologia Poética da Guerra
do Ultramar, 1961-1971” (1971), “Presença de Idealeda” (1973), “Angolana” (1974), “Poesia
Angolana de Revolta” (1975), “Antologia da Poesia Pré-Angolana” (1976), “No Reino de Caliban.
Antologia Panorâmica da Poesia Africana de Expressão Portuguesa” (1976), “Poesia de Angola”
(1976). Foi co-fundador da UEA.
As suas obras publicadas são: “Picada de Marimbondo” (1961), “O Canto do Martrindinde e Outros
Poemas Feitos no Puto” (1964), “Seripipi na Gaiola” (1970), “O Canto do Martrindinde”
(1974, 1989), “Crónicas da Roda Gigante” (1990).»
Direi que a sua vida se resume à frase “nasceu rebelde e rebelde partiu”.
Admito que não li toda a sua obra literária, porém, como sua conterrânea, elejo
“Mukanda de Amor a Benguela” (www.angola-saiago.net/cidmae10.html) como a sua
obra-prima. Nela, este seu filho, que nunca se deixou espartilhar pelas convenções
impostas pela sociedade do seu tempo, não dá espaço à estroinice ou à irreverência;
a par das críticas que faz aos hábitos benguelenses – e que todos nós, seus
antigos habitantes, reconhecemos -, ele recorda a velha e centenária cidade,
retratada com muito amor e ternura.
O canto do Martrindinde O canto do Martrindinde é um canto da cidade vem pela noite dentro cheio de ambiguidade O canto do Matrindinde é um cantar nacional veio do mato à cidade e tornou-se universal. “O Canto do Martrindinde”. in “O Canto do Martrindinde”. Luanda, União/Endiama, 1989, p.64. |
Poema da Praia Morena Benguela tinha tico-tico e colo-colo nesse tempo mesmo na Praia Morena E o Mar escondia jamantas terríveis E tinha Carangueijos, santolas, que agente caçava com fisga. Foi o filho do Rodrigues despachante que ensinou Nada se perdeu; o búzio ali está na mezinha de cabeceira zunindo histórias, fazendo lembrar o menino que eu fui. “Poema da Praia Morena”. in “O Canto do Matrindinde”. Lobito, Editorial Capricórnio, 1974, p. 57. |
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